sábado, 12 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Apenas com onze anos deixou a sua aldeia, contrariamente ao que seria de esperar, não foi quando completou a quarta classe, porque nunca tinha posto os pés na escola, mas deixou os rebanhos de ovelhas que guardava nas encostas da serra, e na companhia do seu irmão mais velho e cunhada, fez-se ao mar para um país distante que nunca ouvira falar e foi poisar ao aldeamento um - Vimieiro, o primeiro a ser construído no colonato da Cela.
Por ali andou e quando toda a sua família retornou a Portugal, recusou-se a regressar a uma terra que nunca lhe dera nada e da qual não guardava boas recordações. A vida não foi fácil para um rapaz que não sabia ler, mas com esforço e coragem conseguiu dar a volta por cima, aprender a ler e escrever e tornar-se encarregado numa das maiores empresas de construções de estradas que operavam em Angola.
Quando a "famosa" descolonização o apanhou, encontrava-se com dois filhos de tenra idade e foi com estes que desembarcou num dia de Setembro no aeroporto da Portela. Passou todas as vicissitudes dos demais, acrescidas no entanto por se encontrar sozinho numa terra estranha com duas crianças pequenas. Conseguiu por fim que a Santa Casa da Misericórdia lhe arranjasse uma ama para tomar conta das crianças, isto durante os dias de semana, por isso ao domingo, era vê-lo pelas ruas de Lisboa, com os filhos pelo braço, escondendo-se nas estações do metro quando o frio apertava ou então nos bancos do jardim, onde passavam a maior parte dos fins de semana.
Como tudo na vida, os anos passaram e com eles algumas alegrias mas quase sempre dissabores. Os filhos lá continuaram à guarda da ama, o rapaz acabou por meter-se na droga e tornou-se um dos muitos sem abrigo da cidade de Lisboa. Por muito que o pai fizesse, nunca conseguiu retirá-lo daquele maldito caminho que acabaria por levá-lo à morte. A rapariga casou, é hoje mãe de dois filhos e ele, o pai, apesar das suas poucas habilitações, facilmente se tornou num homem de confiança numa empresa do ramo na construção de estradas, embora nesta altura reformado, ainda continua a trabalhar, talvez único passatempo para mitigar a sua dor. São homens assim, que fizeram com que os retornados, recebidos com pouca simpatia, mostrassem ao mundo a capacidade, a coragem, a força interior para vencer adversidades e continuar em frente.

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