quinta-feira, 31 de julho de 2008

EMIGRANTES

Confesso que antes de eu próprio me tornar emigrante, tinha alguma dificuldade em entender aqueles que quando vinham de férias a Portugal, continuavam a falar uns com os outros a língua do país onde por largos anos fixaram a sua residência. Na altura achava que essas pessoas, simplesmente se estavam a armar, especialmente quando falavam com os seus filhos pequenos.
Como disse no início, foi preciso passar pela mesma situação não só para os entender, mas até por lhes dar um pouco de razão. Quando se vai para um país estrangeiro com filhos de tenra idade, ou quando estes nascem por lá, toda a sua formação escolar e social desenvolve-se em torno da língua desse país, de forma que quando se pensa, pensa-se nesse idioma e assim como é difícil a um português pensar numa lingua estrangeira, essas pessoas têm a mesma dificuldade. Acreditem que por muito que os pais procurem usar a língua de Camões em casa, a influência exterior é bem mais poderosa e é esta que vai aos poucos formar esses nossos conterraneos.
Assim, quando ouvir um emigrante a comunicar-se noutro idioma, não julgue de imediato que tal pessoa esta a armar-se aos "cucos". Claro que há casos e casos, mas no geral, acredito que seja assim.

terça-feira, 29 de julho de 2008

OS RETORNADOS - EMIGRANTES

Muitos daqueles chamados retornados, acabaram com o tempo por se tornar emigrantes, um pouco por todo o mundo. Também eu, numa fase da minha vida, pude realmente compreender e dar valor a esses homens e mulheres que na maioria longe das sua famílias, procuram nesses países que os acolheram, encontrar o que lhes foi negado em Portugal: uma vida melhor!
Só quem se tornou emigrante num país estranho, com uma lingua estranha, está em condições de ajuizar as dificuldades sentidas, quando se procura singrar numa terra estranha, rodeado de pessoas estranhas, que embora falem, não conseguimos perceber, ou percebemos bem pouco. Julgo que tambem é necessário passar a vida no estrangeiro, para se sentir essa saudade de Portugal e de tudo o que a ele está ligado. Creio que vivemos mais o que é ser português e, embora nós os retornados até tivessemos razões de sobra para nos envergonhar dessa nacionalidade, quando estamos no estrangeiro e falo de modo geral, sentimos esse apego a esta pequena terra à beira mar plantado.
Quer queiramos quer não, esta é a nossa pátria, a nossa raiz e a nossa identidade, embora por vezes nos envergonhemos dos homens que nos governam.

domingo, 27 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Desse longínquo passado
Abruptamente cortado
Resta apenas a saudade
Dezenas de anos passados
Todos os dias lembrados
Duma triste realidade.
Foi toda uma vida
Por ninguém esquecida
Foi a nossa mocidade
Quero apenas voltar
De novo poder olhar
A minha bonita cidade.
Foi todo um passado
Que de nós foi roubado
Com muita crueldade
O homem assim quis
Nasceu outro País
Ansiando a liberdade.

sábado, 26 de julho de 2008

OS RETORNADOS (continuação)

Quando se precisa não se é esquisito!
O mesmo aconteceu ao nosso jovem conterrâneo. Como não conseguia arranjar emprego na sua área, tornou-se vendedor e por ali andou até ao dia em que alguém lhe deu uma oportunidade para fazer as férias de um funcionário. Tinham-se passado já alguns anos desde que deixara a sua profissão, mas agarrou aquela oportunidade com "unhas e dentes" como se costuma dizer. À noite, enquanto outros dormiam, ele agarrava-se aos livros, tentando por-se em dia com as novas técnicas e leis de trabalho, pois se por qualquer motivo tentava esclarecer uma dúvida junto dos colegas, a resposta não se fazia esperar: se veio para o lugar de..., então tem obrigação de saber isso.
Após o mês, foi convidado para fazer parte dos quadros da empresa e passados poucos anos já tinha chegado ao topo e era agora responsável pelos serviços financeiros de mais quatro empresas do grupo além da Administração da primeira, que partilhava com mais duas pessoas.
As invejas eram muitas, mas aos poucos conseguiu impor-se a grangear a estima e o respeito dos seus colegas à excepção de um chefe de secção, que acabou por pedir a demissão.
Mais um exemplo de luta e tenacidade, própria daqueles que além de despojados e abandonados, conseguiram também ultrapassar o desdém daqueles que nos receberam.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

OS RETORNADOS (continuação)

Porque não se vive do ar, o primeiro trabalho que este jovem na casa dos vinte anos conseguiu, foi pegar numa "pedoa" e juntar-se aos homens da terra, todos já de meia idade e subir ao alto das serras para desbastar pinheiros, isto é cortar alguns à volta para que outros pudessem crescer e engrossar. Era inverno, o frio era tão intenso, que muitas vezes já nem sabia se tinha mãos, quanto mais força para continuar a brandir a "pedoa" para cortar as pequenas árvores.
Como tudo na vida, as pessoas acabam por se adaptar embora revoltados, mas foi essa mesma revolta que o ajudou a dar a volta por cima e com a coragem própria de quem já andou por outras paragens, não demorou muito a enveredar por outro caminho. Embora nunca tivesse pegado num fio eléctrico, viu uma oportunidade de ganhar dinheiro quando começaram a electrificar a pequena aldeia onde veio parar. Arranjou uns livros e ali estava ele a fazer instalações de raiz nas casas da aldeia. (até hoje ainda não ardeu nenhuma). Mas os horizontes eram demasiado pequenos para ele naquelas paragens, quando tinha meia dúzia de tostões, sem medo rumou a Lisboa. Ainda continuava com o rótulo de retornado, não podia esconder o seu local de nascimento, Angola, quando tentava arranjar emprego na mesma área em que trabalhara no outro lado do mar.
continua....

quinta-feira, 24 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Seria ele um retornado? Dificilmene!
Como muitos outros, especialmente a classe mais jovem, também ele tinha nascido em Angola e por lá ficaria, não fosse a pressa de alguns homens, desconhecedores em absoluto da realidade angolana e despojados por completo daquilo que hoje entendemos como sentido de estado.
Encontrava-se entre as centenas de milhar que foram arrancados à pressa das terras que o viram crescer e de uma hora para a outra largados no outro lado do mar, no mesmo país, mas completamente diferente da terra que amavam e consideravam sua. Não precisou de muito tempo para se apercebe que ninguém os desejava e como nada conhecia, deixou-se conduzir pelos seus pais para uma pequena aldeia, a mesma que eles tinham abandonada há mais de trinta anos. Água só mesmo a do pequeno rio que passava a poucas dezenas de metros, electricidade não havia, continuava-se a usar os velhos candeeiros a petróleo e as velas. Pior que isso, casas de banho era algo completamente desconhecido, havia o rio para tomar banho e um giestal onde os habitantes faziam os possíveis para não se encontrar, sempre que precisavam fazer as sua necessidades fisiológicas. Também frio, sim demasiado frio para quem viveu toda uma vida em terras de África.
Sem conhecimentos, sem recursos, o que fazer numa aldeia que embora pequena, mostrava também a sua antipatia para com estes invasores?
continua....

terça-feira, 22 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantos anos já passados
Desde que os retornados
Aqui vieram parar
Mil vidas despedaçadas
Ainda hoje choradas
Lembranças a recordar
É assim anualmente
Quando toda a gente
Procura se ajuntar
É o matar de saudades
É o falar de verdades
Que ninguém pode abafar
É o juntar de amigos
O recordar de perigos
Dos tempos de além-mar
Aqui reina a alegria
Até ao final do dia
Na hora de regressar
Mais um ano afastados
É com os olhos molhados
Que prometemos voltar.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Foi realmente um dia muito bem passado!
Embora já venham sendo realizados desde o início, para mim foi a segunda vez que pude comparecer aos encontros dos naturais e amigos da Cela que têm sido realizados todos os anos. O ano passado devido à chuva, muitos foram aqueles que fizeram abortar os seus planos para estar presentes, enquanto outros nem sequer chegaram a sair dos seus carros, pois a chuva era realmente bastante, de modo que poucos ficaram até ao final. Este ano pude então rever amigos de longa data e embora os anos tenham passado por todos, nota-se ainda o sentimento de verdadeira amizade, assim como se puderam relembrar eventos passados da nossa juventude. O termo RETORNADO está hoje um pouco esquecido, mas entre nós, ao invés do sentimento perjurativo que tal palavra encerrava quando se referiam a nós, hoje encaramos isso com orgulho e é nestes encontros que sentimos a diferença quando estamos com esses velhos amigos e com todos os outros com quem tivemos de aprender a viver durante todos estes anos.
Assim, bem hajam a todos aqueles que ano após ano, têm feito esforços para que estes encontros continuem a realizar-se e quem sabe muitos daqueles que como eu viveram longe destes eventos, possam ainda no futuro fazer um esforço para estar presentes e sentirem também este espírito que eu novamente reencontrei.
Um forte abraço para todos.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Em muitas terras distantes
Tornaram-se imigrantes
Para assim ganhar o pão
Depois de tantos perigos
Procuram saber de amigos
Que guardam no coração.
Alguns nunca mais se viram
Infelizmente já partiram
Resta só a recordação.
Alguns para recordar
Não deixam de se juntar
Numa grande animação.
No encontro de Mogofores
Procuram afogar as dores
Da triste descolonização.
São pedaços de uma vida
Saudosa muito querida
Tantas canseiras em vão.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Mais um dos muitos homens de coragem que apenas com vinte e quatro anos deixou a vida de miséria na sua pequena aldeia e, juntamente com a sua mulher rumou ao desconhecido, atravessando o Atlântico numa longa viagem de quase vinte dias. Quedou-se por fim no aldeamento dez, conhecido como Vila Viçosa. Como os outros, também ele soube o que era derramar literalmente o suor naquela terra que embora rica, teimava em não se dobrar aos esforços para o cultivo. Habituados às dificuldades, pouco estranharam em continuar a viver somente daquilo que a terra dava, muitas vezes valendo-se dos vizinhos para assim suprir as necessidades do dia a dia. Foi nestas circunstancias que lhes nasceram tres filhos, filhos de Angola, a terra que também eles há muito tinham adoptado como sua.
Nem mesmo na altura da ameaça da guerra em 1961, ousaram sequer pensar em abandonar a sua casa, os seus bens, pois para todos os efeitos, esta era a sua terra e por ela estavam dispostos a lutar. Da miséria no início, foram aos poucos singrando e à custa de muito trabalho tinham agora uma vida sem sobressaltos, pois além das dezenas de gado bovino que pastavam nas suas terras, ele, homem conhecedor do ramo, dedicava-se agora à compra e venda de animais.
Foi nesta situação que o no de 1975 os apanhou. Agora, contrariamente aos anos de 61, sentiram-se completamente abandonados, completamente desprotegidos por um governo que de repente lhes mostrou por a forma como se comportou, que afinal aquela terra que sempre consideraram sua, afinal não o era e, sem saberem bem o que lhes estava a acontecer, viram-se metidos num avião e largados ao abandono no aeroporto da Portela.
Com milhares de contos no bolso até então dinheiro válido, apenas lhes permitiram cambiar uns trocados,para assim rumaram à sua terra natal, a mesma pequena aldeia donde tinham partido há quase trinta anos.
Voltou de novo a agarrar o cabo da enxada e foi com ela que continuou a suprir as necessidades básicas da família. Revoltado, mas não derrotado, mostrando assim como eram feitos os homens de têmpera de antigamente. Hoje, já com mais de oitenta anos, embora reformado, ainda continua agarrada à sua enxada semeando as suas batatas, recordando com extrema saudade as terras de além-mar que diz, jamais voltará a ver.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantas malas espalhadas
Bem à pressa arrumadas
Muitas delas já sem dono.
Bicuatas por todo o lado
Tesouros de um passado
Por ali ao abandono.
Rostos de extrema tristeza
Na mais completa pobreza
Como as folhas do outono
Havia pretos e brancos
Espalhados pelos cantos
Onde estava o colono?
Aquele que explorara
Angola há muito deixara
Aqui tinha o seu trono.

terça-feira, 15 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Também este homem foi daqueles que viu nascer o colonato da Cela, aliás dos que participou na construção das casas de alguns aldeamentos, por isso um dos pioneiros e um dos muitos que trocaram a sua terra algures numa aldeia perdida, das muitas que havia por esse Portugal fora, onde a vida era dura e quase sempre ingrata. Com apenas trinta anos, aventurou-se para essas terras longínquas, deixando para trás a mulher com quem casara há pouco e que só quase um ano depois, se juntou a ele na terra que adoptaram como sua.
Por ali viveram, tiveram uma filha e fizeram amigos naquela pequena cidade que viram nascer e crescer, até ao dia em que viram toda a gente a abandonar as suas casas e como elas, também eles deixaram para trás toda uma vida e procuraram refúgio na cidade de Nova Lisboa, sempre com a esperança de voltarem, logo que os tumultos se acalmassem. Como todos os outros, viram-se de repente metidos num avião que os traria de volta a um país que não os desejava.
Também como a maioria, viu-se despejado do avião e apenas com uns poucos tostões no bolso, procurou arrumo junto dos familiares mais directos, que na maioria dos casos não fecharam as portas aos seus, embora as críticas chovessem em quase todas as conversas.
Para poder sustentar a família, não teve vergonha de se agarrar a uma enxada, trabalhar nas obras, na colheita da azeitona, enfim, todo o tipo de trabalho que aparecesse que embora mal pago, sempre dava para matar a fome. Ainda tentou a imigração para França, mas devido à sua idade, não lhe foi permitido ficar. Como era funcionário público, passados uns três anos lá o chamaram para voltar de novo a trabalhar, isto quase a setenta quilómetros de sua casa. Um casal de imigrantes seus familiares, sabendo das sua dificuldades, deixaram-no dormir na sua casa, mas passados dias vieram de férias e então este homem, porque não queria importunar ninguém, sujeitava-se a dormir numa carrinha Renault 4L, a viatura do estado com que trabalhava. Não sou médico, tampouco sou adivinho ou entendido no comportamento das pessoas, mas as mazelas infligidas ao nosso coração, no meu entender, são bem piores do que aquelas que são dirigidas ao nosso corpo. Vai-se vivendo, ou por outra, vai-se arrastando os pés, já sem nenhum objectivo e isso foi o que se passou com mais este pioneiro. Deixou-nos há mais de duas décadas e, tal como viveu, um anónimo, assim faleceu!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantos anos são passados,
Mas mil outros recordados
Tristes e sós abandonados
Assim são os retornados.

Companheiros separados
E pelo mundo espalhados
Mesmo assim estão ligados
Assim são os retornados

Vidas feitas em bocados
Por uns poucos safados
Esquecidos e desprezados
Assim são os retornados.

Corações despedaçados
Injustamente julgados
Outras tantas criticados
assim são os retornados.

domingo, 13 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Exemplo de tenacidade e coragem!
O homem de quem vou falar-vos já nos deixou há quase duas décadas, mas não é por isso que deve ser esquecido, bem pelo contrário, são homens como este que nos mostram o que é enfrentar a adversidade sempre com um sorriso nos lábios, mesmo quando a saúde já era de tal forma precária, que cada dia que passava, era encarado como uma vitória.
Foi na sua juventude que deixou a grande Lisboa onde vivia desde rapaz, onde casou, e fez a longa viagem de navio até terras angolanas. Começou pelo planalto, depois mais para sul e por fim a cidade Gabela, onde o ano de 1975 o apanhou. Como muitos também ele acreditava que aquela terra que adoptara era mesmo sua, assim além de ter já um meio de vida que explorava com alguns empregados africanos, já nos últimos anos quando muitos vendiam propriedades em angola, este homem vendeu o que tinha em Portugal, para investir numa roça de café. Claro que como todos os demais, também ele junto com a família teve de abandonar tudo aquilo que construíra com o suor do seu rosto.
Carregou à pressa algumas coisas na sua carrinha e como todos os habitantes daquela cidade, empreendeu a viagem na grande coluna que rumava até à Quibala, onde alguns seguiriam o caminho de Luanda e a maioria com destino a Nova Lisboa. Mais uma vez a má sorte lhe bateu à porta, eram decorridos apenas alguns quilómetros e viu a sua carrinha com tudo aquilo que pensara resgatar consumidas pelas chamas! Apenas com a roupa do corpo, ele e a família, duas raparigas e dois rapazes, chegou a Nova Lisboa onde duas pessoas lhe deram algum dinheiro para as suas necessidades básicas. Mas continuou sempre com o mesmo sorriso nos lábios.
Depois de uma curta estada em Portugal, rumou a um país estrangeiro onde como homem de luta que era, educou tres filhos e adquiriu casa. Quando parecia que a estabilidade fora alcançada, a doença apertou o seu cerco. Primeiro foi uma perna que teve de ser cortada, mas ele com uma prótese, parecia que nada havia acontecido. Depois foi a outra perna! Mais uma vez não se deu por vencido e com duas próteses aprendeu a caminhar sozinho. Mas a doença não lhe deu tréguas e já muito debilitado retornou a Portugal, onde queria passar os seus últimos dias, que seriam efectivamente poucos. Era uma questão de horas segundo os médicos, mas novamente recusou-se a ceder até ver dois netos que tinham nascido por aqueles dias e, quando foi possível que os pais das crianças fizessem a viagem de umas centenas de quilómetros debaixo de um sol abrasador, ele olhou para as crianças, sorriu e morreu naquela mesma noite.
Deste homem guardo gratas recordações e não seria justo comigo mesmo, não narrar a coragem e a luta de alguém que mesmo face à morte, se recusou a deixar-se levar, sem que antes realizasse o seu último desejo.

sábado, 12 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Apenas com onze anos deixou a sua aldeia, contrariamente ao que seria de esperar, não foi quando completou a quarta classe, porque nunca tinha posto os pés na escola, mas deixou os rebanhos de ovelhas que guardava nas encostas da serra, e na companhia do seu irmão mais velho e cunhada, fez-se ao mar para um país distante que nunca ouvira falar e foi poisar ao aldeamento um - Vimieiro, o primeiro a ser construído no colonato da Cela.
Por ali andou e quando toda a sua família retornou a Portugal, recusou-se a regressar a uma terra que nunca lhe dera nada e da qual não guardava boas recordações. A vida não foi fácil para um rapaz que não sabia ler, mas com esforço e coragem conseguiu dar a volta por cima, aprender a ler e escrever e tornar-se encarregado numa das maiores empresas de construções de estradas que operavam em Angola.
Quando a "famosa" descolonização o apanhou, encontrava-se com dois filhos de tenra idade e foi com estes que desembarcou num dia de Setembro no aeroporto da Portela. Passou todas as vicissitudes dos demais, acrescidas no entanto por se encontrar sozinho numa terra estranha com duas crianças pequenas. Conseguiu por fim que a Santa Casa da Misericórdia lhe arranjasse uma ama para tomar conta das crianças, isto durante os dias de semana, por isso ao domingo, era vê-lo pelas ruas de Lisboa, com os filhos pelo braço, escondendo-se nas estações do metro quando o frio apertava ou então nos bancos do jardim, onde passavam a maior parte dos fins de semana.
Como tudo na vida, os anos passaram e com eles algumas alegrias mas quase sempre dissabores. Os filhos lá continuaram à guarda da ama, o rapaz acabou por meter-se na droga e tornou-se um dos muitos sem abrigo da cidade de Lisboa. Por muito que o pai fizesse, nunca conseguiu retirá-lo daquele maldito caminho que acabaria por levá-lo à morte. A rapariga casou, é hoje mãe de dois filhos e ele, o pai, apesar das suas poucas habilitações, facilmente se tornou num homem de confiança numa empresa do ramo na construção de estradas, embora nesta altura reformado, ainda continua a trabalhar, talvez único passatempo para mitigar a sua dor. São homens assim, que fizeram com que os retornados, recebidos com pouca simpatia, mostrassem ao mundo a capacidade, a coragem, a força interior para vencer adversidades e continuar em frente.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Como um vagabundo
Errante no mundo
Por causa da guerra.
Era o retornado
Que tinha voltado
Para a sua terra.
A enxada na mão
Procurava o pão
No alto da serra.
As costas vergadas
E as faces suadas
A ira descerra.
Assim vai andando
A mágoa apagando
Do tempo da guerra.

OS RETORNADOS

Também se morre de desgosto!
Foi dos primeiros colonos a chegar ao colonato da Cela, numa altura em que era proibido contratar pessoal local (negros) para ajudar no cultivo da terra. A vida era dura, quando o tempo não ajudava e havia poucas colheitas, tinha de se remediar com o pouco que tinha, mas quando havia abundancia nas safras, a situação não melhorava muito, pois todo o cereal era canalizado para um grémio que pagava o que bem lhe apetecia. Por muito que se trabalhasse o resultado era sempre o mesmo, daí o desencanto e o retorno à terra natal num navio que demorou dezassete dias a fazer a travessia até Lisboa.
Mas quem pisa solo africano, dificilmente se sente bem noutro lugar e foi o que aconteceu com este homem e a sua mulher, já entradotes na idade, mas ainda assim aventureiros, como é próprio dos homens de tempera de antigamente. Fez-se de novo ao mar, rumo à fazenda dum filho e dali para junto de outro, para os lados do Amboim, onde o café dava emprego a milhares de pessoas. Por ali ficou até ao ano de 1975.
Como todos os demais, também ele teve de abandonar à pressa a terra que amava e retornar de novo à sua pequena aldeia, algures para o lado da Guarda. Nunca mais foi o mesmo, sempre triste, desviava-se das pessoas com o olhar fixo algures, quem sabe nas terras do fim do mundo. Nada possuía e quando olhava para a sua antiga casa, um sorriso de dor trespassava-lhe o rosto, mas não emitia qualquer som. Assim viveu algum tempo, triste, sempre triste, até que a morte, o remédio de todos os males, resolveu um dia bater-lhe à porta e sem um queixume, deixou-se levar, era o fim de tudo, de todo o desespero, de toda a angustia, de toda uma dor que só mesmo a morte poderia sarar.

OS RETORNADOS

Pois, também eu sou dos chamados retornados, embora na verdade não sinto que este termo se aplica a mim, isto porque nasci em Angola e tirando uns cinco anos que passei em Portugal na minha infância, todo o resto foi passado naquela terra que julgava minha. Foi lá que cresci, foi lá que estudei, foi lá que desenvolvi laços fraternos com rapazes e raparigas da minha idade e que hoje não sei onde param. Foi toda uma sociedade desmantelada e espalhada pelos quatro cantos do mundo, a maioria ainda hoje sentindo-se estrangeira numa terra onde poisaram, depois de muitas angustias e tribulações.
É sobre este tema que vou escrever neste local, relatando vidas destroçadas e o recomeço do nada, nalguns casos quando as forças já não eram muitas.