segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

GRANDE SUSTO

Conheci pessoalmente o narrador desta aventura, era motorista numas das roças do Mário Cunha, bom conversador, homem hosp1taleiro, casado com uma africana de quem tinha penso eu, tres filhas e um filho.
Como era hábito em Angola, todos os empregadas daquelas imensas roças, supriam-se a si mesmo de carne atraves da caça e sempre que um matava qualquer coisa, a divisão era feita por todos os vizinhos. Numa bela madrugada este nosso amigo levantou-se e foi fazer uma espera ao javali, mas como estes demoravam a aparecer, deixou-se vencer pelo sono.
Não dormiu muito tempo, pois acordou ainda de noite, mas quando esticou a mão para apanhar a arma que estava ao seu lado, os seus dedos tocaram em pelo, um pelo macio que o fez arrepiar. Tentou de mansinho escapar-se para o lado contrario, mas também ali estava outro animal. Sentiu-se gelar, pois tinham-lhe dito que avistaram por ali uma onça e a conclusão lógica é aue se encontrava no meio de duas, só não o tinham atacado ainda por o julgarem morto.
Mal respirava e assim ficou até começar a amanhecer e só nessa altura descobriu que os dois animais eram os seus cães, dois bichos enormes que não sei a que raça pertenciam. Normalmente os caes nao o acompanhavam quando saía para caçar, mas desta vez ali estavam eles de guarda ao seu dono, va-se lá saber porquê.
Não ganhou para o susto, mas sempre que contava este episódio, não deixava de afagar a cabeça do bicho que estivesse mais perto.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

RECORDAÇÕES

Ao invés de regressar
Quero apenas recordar
Os tempos que lá vivi
Tempos da minha mocidade
Naquela pequena cidade
Com uns calções de caqui
Para a garganta ressequida
Também havia bebida
O vinho de abacaxi
Recordo aquelas caçadas
Que com redes esticadas
Se apanhava um javali
E o pequeno beija-flor
Vestido com explendor
Aqui chama-se colibri
E toda aquela gente
Que guardo na mente
E que nunca mais vi
Seria melhor esquecer
Pois acabo por sofrer
Quando me lembro de ti.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

DUAS OPINIÕES

Enquanto alguns anseiam por regressar ou simplesmente visitar as terras de onde tiveram que fugir, outros há que preferem recordar esses lugares assim como eram nos seus tempos, posso compreender os primeiros, mas creio que entendo melhor os segundos e é com estes que por certo me identifico.
Creio que uma aldeia, vila ou cidade é composta não só pelas suas casas, ruas, prédios e jardins, mas sobretudo pelos seus habitantes e quanto mais pequena a localidade é, tanto mais se faz notar a componente humana. Assim, estou de acordo com aqueles que preferem guardar na sua memória os tempos idos, aquelas pequenas cidades onde os seus habitantes faziam toda a diferença.
Pessoalmente guardo gratas recordações daqueles tempos, não pensem contudo aqueles que nunca lá estiveram, que era tudo um mar de rosas, não, também havia dificuldades, descriminação, diferenças sociais e também extrema pobreza e isso é preciso dizê-lo, mais do que uma vez ouvi dizer que os africanos se não comessem o seu pirão já não se sentiam saciados. A verdade talvez seja outra, não tinham era possibilidades de se alimentar ou saciar com os pratos que compunham a mesa da classe a seguir.
Guardo para mim visões de Angola de outrora e creio que é com estas que quero continuar. Em consciencia nada me pesa de algo que tenha feito para prejudicar os seus naturais, aliás eu tambem me considero um natural, mas pelo que leio, creio que a apenas sofreria um choque e não mataria as saudades de uma Angola de outros tempos e composta de outras gentes.
Saudosismo? Chamem-lhe o que quiserem, mas da minha cidade não recordo apenas as suas casas, os seus passeios, os seus jardins, as suas ruas, mas recordo essencialmente as suas gentes.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

NOSTALGIA

Olho para o mar e sonho acordado
Tantos sentimentos que brotam em mim
Mesmo sem querer volto ao passado
E vejo o cacimbo cobrindo o Amboim

São sonhos que passam, volto acordar
Sussurro o teu nome na noite escura
Mesmo sem querer começo a chorar
Pois os anos passam mas a dor perdura

Até sonhei que um dia já toquei a lua
Voei pelos céus e atravessei o mar
Percorri as fontes à tua procura
Quando te encontrei . . . parei se sonhar

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A HISTÓRIA DA DESCOLONIZAÇÂO

Com tantas informações e acusações a circular na net dirigidas a pessoas com nomes sonantes na nossa sociedade e política, será de esperar que a nossa história tal como hoje a conhecemos terá de ser reescrita e imputar responsabilidades aqueles que de forma aventureira e irresponsável brincaram com a vida de centenas de milhar de pessoas que à pressa tiveram de abandonar toda uma vida de luta e sacrifícios e também das centenas de milhares de angolanos que perderam a vida na guerra civil em Angola.
Como podem essas pessoas dormir descansadas e continuar a dar a cara como se nada se tivesse passado? Como pode um país responsável abandonar pura e simplesmente todo um povo virando literalmente as costas e deixando milhões de pessoas sem meios humanos e financeiros para se governarem. Mais! Como podem esses governantes retirarem toda uma administração e forças de ordem pública, quando sabiam que havia no terreno tres movimentos armados e dispostos a lutarem entre si fazendo valer direitos que a potencia colonizadora não soube acautelar?
Serão genuinas as cartas que circulam na net onde altos responsaveis e figuras de topo da nossa administração incentivam o ódio e a violencia contra os seus concidadãos?
Acredito que vivemos num país de direito, mas se assim é, o que foi feito para chamar essas pessoas à responsabilidade e imputar-lhe essas culpas? Será que é preciso uma nova geração para que a verdade seja conhecida? Mais vale tarde do que nunca, é um facto, mas nessa altura já terão também desaparecido todas as vítimas desses senhores, amarguradas e revoltadas contra um sistema que se diz justo e imparcial.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

OS MEUS DIAS

Foi um tempo de sonho
Num passado risonho
Que teimo em recordar
Sou tolo em não esquecer
Algo que me faz sofrer
E algumas vezes chorar
Pelo mundo fui andando
Algumas vezes sonhando
De um dia poder voltar
Mas fui sempre adiando
E o tempo foi passando
Neste constante adiar
Fui sempre um errante
Numa procura constante
Dum sítio onde morar
Queria algo parecido
Daquilo que tinha perdido
Do outro lado do mar
Do muito que procurei
Nunca mais encontrei
Terra para te igualar
Deixei de ter ilusões
Vivo de recordações
Vendo os anos a passar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

SE UM DIA VOLTASSE

Creio, que se um dia voltasse
Á terra que me viu crescer
Por mais que eu procurasse
Meus olhos não podiam ver

Em cada casa eu procurava
Um amigo, um rosto conhecido
A cada passo eu recordava
Aqueles com quem tinha vivido

Caminharia pelas ruas
Vendo as casas desbotadas
Olhando as paredes nuas
Ha muito sem serem pintadas

Fortes dores ía sentir
Ao percorrer a mesma terra
Donde tivemos que fugir
Quando começou a guerra

Sei que não encontraria
Aquelas minhas amizades
Penso que só sofreria
E não matava as saudades.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

O FIM DUMA GERAÇÃO

Embora seja a lei natural da vida, assistimos com alguma tristeza à partida daqueles homens e mulheres que tiveram de deixar Angola já com alguma idade. Ao fim de mais de trinta anos, são muitos aqueles que já partiram e os que ainda estão connosco, já estão bem entradotes na idade, notando-se sobretudo as suas ausencias nos encontros anuais que as diversas comunidades dos "retornados" agrupadas e denominadas pelas cidades angolanas que ha muito deixaram, teimam em continuar a realizar.
Gostariamos de passar esse testemunho aos nossos filhos, embora creia que isso tende a desaparecer, com grande mágoa daqueles a quem um dia chamaram "retornados". É bonito de ver que alguns filhos nascidos já em Portugal, vez por outra acompanham os pais, mas são sobretudo a geração de "retornados" mais nova, que teima em se juntar, um partilhar de vivencias e sobretudo o recordar dos anos passados em terras de além mar.
Tudo tem um fim e quer queiramos ou não, também estes encontros irão ter o seu e, isto acontecerá quando a nossa geração, os chamados novos na altura da triste descolonização, também chegarmos ao fim. Mas até lá e creio que essa é vontade de todos nós, tudo faremos para proporcionar e promover ocasiões, onde o matar de saudades nos ajudem a recordar uma infancia vivida juntos e que uns poucos ousaram estragar e espalhar.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

SONHOS DO PASSADO

Eu sonho que um dia vou conseguir
Pôr-me de pé e voltar a andar
Gostar da vida e voltar a sorrir
Poder por fim, este hospital deixar

Sentir o sol na pele a queimar
Sentir o cheiro a terra molhada
Como um cabrito poder saltitar
Deixar de sentir a vida acabada

Poder caminhar à beira do mar
Ouvir de novo o bater das ondas
Fechar os olhos e poder sonhar
Que já não preciso de tantas sondas

Poder um dia sentir ao acordar
Que me levanto e ando pelo chão
Que apareceu alguém e voltei a amar
Que se extinguiu tanta desilusão

Eu sonho que um dia ate vou voar
Rir-me deste mundo e de tanta dor
Eu sonho que um dia vou poder voltar
Encontrar alguém que me tenha amor

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

COMO VAI O NOSSO PAÍS

Confesso que por vezes até penso que os nosso governantes ou nos julgam atrasados mentais, ignorantes ou porventura apenas gostam de gozar com o cidadão comum, se não vejamos!
Será que é moralmente aceite em qualquer civilização que se peça a um seu concidadão que faça sacrifícios por o país estar a viver momentos de grande crise, quando a pessoa que faz esse pedido ganha dez ou vinte vezes mais? Que moral tem o senhor Presidente da República em apelar aos portugueses que têm de compreender a situação difícil que Portugal atravessa, quando o referido senhor, para além do seu vencimento como presidente, ainda aufere mais tres reformas, do Banco de Portugal, da Universidade Nova e por ter sido primeiro ministro isto no valor de mais de nove mil euros (só as reformas). A lista é deveras grande de todos os senhores que nos governam e que ainda têm a moral de pedir a um seu cidadão, que necessita de comer como eles, que necessita de se vestir como eles (aqui talvez tenha que ir aos ciganos), que precisa de uma casa, de alimentar a familia, etc., etc. e que apenas leva para casa ao fim dum mes de trabalho a avultada quantia de ....quatrocentos ou quinhentos euros!
Tenham um pouco de vergonha senhores, não está em causa a legalidade daquilo que recebem, mas assim como fazem leis que servem para viverem à grande e à francesa, pensem um pouco naqueles que todos os meses contam os seus centimos, para que ao fim do mes, os seus filhos continuem a ter pão.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

RECORDAÇÕES

Sinto-me amargo, acido como vinagre
Foi-se a esperança, tudo o que sonhei
Passou-se o tempo não houve um milagre
Morreu o futuro, tudo o que um dia amei

Tudo acabara na flor da juventude
Sonhos de amor e de felicidade
Bastou para isso perder a saúde
Morri para o mundo, para a sociedade


Quem não aparece acaba esquecido
O mundo sem ti continua em frente
Ainda que tenhas sido muito querido
És abandonado por toda essa gente


Pela madrugada sou acordado
Alguém suavemente me aperta a mão
É todas as noites o mesmo fado
Chegara a hora de mais uma injecção


Volto a dormir e torno a sonhar
Corro pelos campos, voltei a viver
Sinto-me leve e consigo voar
Mesmo sem pernas consigo correr

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O QUE EU ACHO

Esta não poderá se mais do que a minha simples opinião, mas de tudo o que tenho observado, de tudo o que tenho lido, cheguei a esta conclusão, que me perdoem os que acharem que estou errado, mas como a liberdade de expressão é aceite e comumente partilhada neste pequeno país em que nos encontramos, nada me impede de assim pensar e também registá-la neste espaço.
Enquanto nós angolanos de nascimento e outros que viveram por longos anos em Angola continuamos a chorar e a partilhar a dor dos muitos que tombaram nas guerras e dos milhões que hoje vivem em extrema dificuldade, nota-se uma certa soberba não do povo em si que continua a chorar pelos "colonizadores" que deixaram Angola, mas da classe dos chamados novos ricos, daqueles que aproveitaram os anos de luta para enriquecerem e hoje substituíram os chamados "colonos", para tratarem o povo bem pior do que aqueles a quem chamavam exploradores. Parece que tudo aquilo que diga respeito a Portugal é a partida encarado com alguma desconfiança, com algum desdém, embora da parte da maioria dos portugueses continue o sentimento fraterno, por uma nação nova que respeitamos, mas o mesmo povo com quem partilhamos longos anos de história e convivencia.
Nunca jamais eu vou renegar à nação que me acolheu, embora eu fosse angolano de nascimento. Se concordo com todas as suas políticas? Claro que não, mas não posso aceitar que uns poucos dos mais de catorze milhões do meu país de nascimento, continuem se não a odiar, porque acredito que não seja isso, mas a desconsiderarem um país e um povo amigo que tudo faz para que os erros passados (e houve-os de ambos os lados), não toldem as relações dos povos na sua maioria, porque infelizmente como acontece sempre nestes casos, é sempre uma pequena minoria que acaba por ofuscar o pensamento e o sentimento de todo um povo ou uma nação.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

TRISTE ESPELHO

Acaba-se a esperança, deseja-se a morte

Sente-se a angustia chora-se baixinho

Sentimentos de raiva, maldiz-se a sorte

Ora-se a Deus pedindo um cantinho

Odeia-se o mundo, toda a sua gente

Sente-se inveja de quem pode andar

Passa-se o dia a torturar a mente

Apenas há passado para recordar

Recorda-se aquilo que ficou por fazer

Também outras coisas que não se fizeram

Tantas palavras que ficaram por dizer

Lembram-se amigos que desapareceram

Porquê só a mente não quis dormir

Quando todo corpo já não lhe obedece

Para quê ter um corpo só a fingir

Quando até a mente dele se esquece

Olhos no tecto, dentes cerrados

Dor infinita, pensamento ruim

Olha-se o corpo, músculos mirrados

Soluços de dor, tristeza sem fim

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O RETORNAR

Para os naturais de Angola que tiveram de abandonar o país aquando dos confrontos armados entre os movimentos de libertação, abre-se agora uma nova oportunidade, oportunidade essa que lhes dá o direito de pela primeira vez serem chamados retornados, o seu retorno ao país de origem, à terra onde nasceram: Angola!
É verdade que também a eles foi aplicado embora erroneamente, a palavra retornado, quando na verdade o termo correcto seria refugiados, pois eles não retornaram a Portugal, país que a maioria nunca havia visitado.
Com a paz em Angola é cada vez mais necessário homens e mulheres qualificadas para ajudarem a desenvolver um país em franca ascenção e recuperação, mas dos muitos diálogos que tenho tido com antigos companheiros, a expressão é a mesma: com a nossa idade, o que vamos nós fazer? Assim é de facto, para os que abandonaram Angola na sua adolescencia, estão hoje já entradotes na idade e esta aventura, embora muito desejada, veio tarde demais. Julgo saber que existem maiores facilidades para os filhos de Angola, para nós, que crescemos e envelhecemos bem longe da terra que amavamos, mas estou como dizem os meus amigos: recomeçar toda uma vida, é demasiado tarde para nós!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

É BOM PERDOAR

Mesmo em amigos do peito
Sempre encontramos defeito
Ou motivo de nos queixar
Teremos fraca existencia
Se tivermos tal tendencia
De estar sempre apontar
Quem é que nunca errou
Ou a outros prejudicou
Muitas vezes sem notar
Assim é melhor esquecer
Quando nos fazem sofrer
Sim, é melhor perdoar
Se ficarmos ressentidos
Quando somos feridos
Acabamos por odiar
Sentimento tão imundo
Que tem levado o mundo
Uns aos outros a matar
Descanse o seu coração
Estendendo seu perdão
Se alguém a prejudicar

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

UMA CRITICA E UM ELOGIO

Ontem tive de me deslocar às urgencias do Hospital Amato Lusitano em Castelo Branco, devido a uns ganglios que me apareceram na cabeça e depois no pescoço. Decerto compreendo que não ia am perigo de vida, pelo que não estranhei quando na "triagem de Manchester" me deram a fita verde, simbolo de não muito urgente. Até aqui tudo bem. Comecei contudo a mostrar-me menos satisfeito com a pessoa que me fez a triagem ao constactar que na sala de espera havia um senhor idoso, talvez na casa dos 75/80 anos, diabético, também com uma fita verde, que aguardava a consulta já ha mais de cinco horas. Continuava a chegar mais gente a quem era dada a fita amarela, sendo atendidos rapidamente e também rapidamente se iam embora.
Facto estranho! A maioria das pessoas a quem foi dada a fita verde, foram precisamente estas que ficaram a fazer exames complementares de diagnóstico, tendo o referido senhor idoso que foi atendido ao fim de quase sete horas, ficado internado! Acredito no metodo da triagem, mas também acredito e neste caso como cidadão e doente exijo, que sejam colocados nestes lugares pessoas competentes, para que estes casos não se repitam um pouco por todo o lado.
Nota 5 para o médico que me atendeu! Pela atenção, pelo cuidado do diagnóstico, pelo pedido que fez a um seu colega para me observar e tanbém pela simpatia, isto numa unidade de urgencia de um hospital. Bem haja Dr. Jorge Monteiro, médicos como o senhor dignificam a sua classe, classe que todos precisamos algum dia.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

QUE ILUSÃO

Vivemos neste mundo apressado onde tudo o que fazemos parece já ter sido encomendado para ontem! Neste corre corre do dia a dia, muitas vezes ou quase sempre não nos damos contas da triste realidade da vida: de um momento para o outro tudo se vai! As canseiras, as ilusões, os projectos, os bens pelos quais lutamos afincadamente toda uma vida, tudo desaparece, porque na verdade somos pó e mais tarde ou mais cedo é nesse pó que todos nos tornamos.
Se todos levasse-mos em conta esta realidade, estou em crer que o mundo em que vivemos seria bastante melhor, bastava acabar o egoísmo para que não assistisse-mos ao espectaculo degradante de crianças com o ventre inchado e completamente mirradas com a fome; a milhares de crianças que desaparecem todos os anos e são mantidas em cativeiro para satisfazerem os desejos bizarros e animalescos de alguns seres vivos que de humanos não têm nada; ao fim do ódio que tem levado a guerras horríveis, onde alguns membros da própria família se perseguem e matam, apenas porque não professam a mesma ideologia; acabariam da mesma forma os ressentimentos nutridos contra alguém, só porque esse alguém fez algo que não aprovamos ou tem uma forma de ser diferente da nossa. Sim, acredito que se todos levasse-mos em conta o que realmente somos, o mundo seria bastante melhor.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Os herois

Dizem fazer a guerra
Por amor a sua terra
E o povo libertar
Como são lindas promessas
Muitos vão nessas conversas
Pegando em armas p´ra lutar
Abandonam seus oficios
Passam mil sacrifícios
Acabando por não voltar
Morreu de arma na mão
Apodrecendo pelo chão
Sem ninguem para o enterrar
Ninguem sabe onde tombou
A terra onde ficou
E acabou o seu sonhar
Talvez seja melhor assim
Pois quando a guerra chega ao fim
Os que acabam por regressar
Vêm que nada melhorou
Antes tudo piorou
De que valeu guerrear
É grande a desilusão
Com o olhar pelo chão
Recorda o que teve de matar.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

ANGOLA EM FRANCA RECUPERAÇÃO

É grato e motivo de satisfação saber que a terra que há muito deixamos, não só entrou num clima de paz, mas também de franca recuperação. Como a maioria dos leitores deste blogue sabe, eu também sou o administrador do forum CUBATA ANGOLA e somos privilegiados por termos no forum pessoas inscritas que nos dão notícias credíveis e na hora de todas as transformações que aquele país está a sofrer.
As estradas estão sendo alcatroadas a um ritmo alucinante. As pontes estão sendo reconstruidas; um pouco por todo o lado brotam bons hoteis, assim como restaurantes onde se podem saborear os pratos típicos angolanos. Estão a ser reconstruidos os antigos edifícios da administração colonial e aproveitados para as diversas actividades do actual governo. O projecto Aldeia Nova no Waco Kungo está a ser um sucesso! Foram dadas casas e meios para um principio de vida daquele povo; hoje já se comercializa carne, leite, ovos e as mais variadas verduras.
Nos poucos anos depois da guerra já se fez bastante, espera-se contudo da parte do governo que olhe mais de perto para aqueles menos favorecidos, aqueles que hoje têm um nível de vida ainda inferior ao da época colonial. O actual poder tem a maioria qualificada no parlamento o que lhe permite aprovar todos os seus planos, pelo que se espera e exige a distribuição da riqueza de um país rico, por aqueles que nada têm.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O RETORNO DOS BENS DEIXADOS

Li algures na nossa imprensa que o governo de Angola estaria disposto a devolver os bens deixados pelos cidadãos alemães, bens deixados na mesma altura em que centenas de milhares de portugueses também tiveram de abandonar tudo e fugir para Portugal.
A pergunta que se coloca é esta? Se temos assim tão boas relações com o governo de Angola, o que fez o nosso primeiro ministro neste sentido? Será que na sua recente viagem aquele país africano, fez sentir ao governo de Angola as legítimas aspirações daqueles que tudo deixaram e que porventura agora, num clima de paz, estariam dispostos a regressar? Não li nada sobre isso, mas um pouco conhecedor da forma de agir do nosso poder político, estou em crer que nada foi feito, nem tão pouco foi proferida qualquer palavra sobre este assunto.
Como todos sabemos e temos de o admitir, havia grandes riquezas em Angola, muitas delas tiradas à força aos povos africanos, enquanto outras foram constituidas à força da exploração não só dos povos indigenas, mas tambem dos europeus que eram escravizados da mesma forma. A esses, e isto é a minha opinião, o governo de Angola nada deve, mas aqueles que a custo do seu suor conseguiram montar um negócio, construir uma casa ou lavrar uma fazenda, a esses, seria justo e de direito que as autoridades de Luanda pusessem ao dispor os seu antigos haveres, pois poderia ter a certeza que isso só iria contribuir para o desenvolvimento e enriquecimento de Angola.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

É POSSIVEL RELEMBRAR O ESQUECIDO

Quem viveu tres dezenas de anos ou mais completamente afastado de um lugar e suas gentes, é facil o seu "disco rígido" começar a apagar as vivencias passadas nessa altura, para dar lugar a outras que compoem o dia a dia do seu presente. Aconteceu isso comigo!
Ao fim de trinta e tal anos, foi uma surpresa para mim, conseguir relembrar pessoas, episódios da minha vida que ha muito julgava esquecidos. Através do Chat do forum CUBATA ANGOLA, pude novamente "conversar" com amigos da minha mocidade e a medida que as conversas se desenrolavam, pude com alguma dificuldade relembrar esses tempos, essas pessoas que o tempo aos poucos apagou. Para os que são naturais de Angola, os que viveram lá bastantes anos e foram obrigados a abandonar tudo e especialmente para aqueles que viviam na zona da Cela e Gabela, podem encontrar naquele Chat um espaço onde muita gente procura recordar e partilhar toda uma dor que todos nós passamos, mas quer queiramos quer não faz parte da nossa vida e da nossa identidade. Para poderem aceder aquele espaço não é necessario registo, mas se quiserem tambem escrever, neste caso façam um registo no forum, uma coisa bastante simples.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

NOTÍCIAS FRESCAS E ANIMADORAS

Contrariamente ao que se houve dizer, tive notícias muito recentes de Angola e sobretudo do Waco Kungo onde passei muitos anos da minha juventude. Esta pessoa amiga que vive em Luanda mas que tem casa no Waco para onde se desloca com muita frequencia, diz que em Angola a insegurança é muito reduzida ou mesmo nula no que toca ao interior do país. Ela normalmente viaja sozinha e nunca teve qualquer especie de problema, pois o povo farto de guerra, voltou a ser o mesmo povo pacífico e amistoso que nós conheciamos antes de termos abandonado as nossas terras e as nossas cidades.
Também se assiste ao desenvolvimento acelerado do país, bem assim como a reconstrução das infraestruturas básicas que tinham sido derrubadas durante a guerra. Vê-se um pouco por todo o lado o surgimento de bons hoteis, muitos deles típicos que procuram captar o turismo, turismo que não demorará muito tempo a descobrir como destino privilegiado aquele paraiso de Africa.
Eu que pensava jamais visitar aquele canto, tenho hoje um conceito diferente e quem sabe um dia...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

ANGOLA E A SAUDADE

Sonho um dia voltar
Aquele lado do mar
Donde tive que fugir
Quero matar a saudade
Daquela pequena cidade
Donde tive que partir.
Ficou tudo ao abandono
Tantas casas sem dono
Que acabaram por ruir
Foram tantas as balas
Cravadas naquelas salas
E nos quartos de dormir.
É uma dor de coração
Ver como uma nação
Acaba por se destruir
Onde havia alcatrão
Agora há apenas chão
E crateras a surgir.
Por isso eu quero voltar
Quem sabe possa ajudar
Ajudar a reconstruir.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

OS RETORNADOS

Para quem é maltratado na sua terra, dificilmente esse alguem tem saudades da mesma e muito menos alberga o sonho de um dia poder voltar, ainda que seja de passagem. Tirando um ou outro caso, a maioria daqueles que deixaram Angola e todos eles em condições bem deploráveis, continuam ao fim de mais de tres décadas a fazer planos ou simplesmente sonhar, cruzarem o Atlantico de novo e matarem as muitas saudades que albergam consigo durante todos estes anos.
Será o feitiço de Angola? Penso que não é apenas isso. Ao fim destes anos todos, muitos daqueles que foram obrigados a retornar, simplesmente já nos deixaram, a nova geração que saiu com vinte, trinta ou quarenta anos, compreende perfeitamente os abusos que foram cometidos nessa altura e lá, tal como cá, não havia a minima ideia do que era a política e do mal que ela poderia causar a um povo que ansiava por uma mudança, embora não compreendesse muito bem como ela deveria ser feita.
Já falei com alguns daqueles que visitaram Angola, lá, as suas gentes, assim como os de cá, aqueles que foram obrigados a vir embora, continuam a relembrar aqueles bons tempos, sem mágoa, ressentimento e muito menos o desejo de uma suposta vingança. Só mesmo quem nasceu, cresceu ou viveu em Angola, pode entender os laços criados com o povo africano, onde a cor da pele não era impeditivo para se fazerem boas e duradouras amizades. Se houve abusos na altura, claro que os houve de ambos os lados, todos eles foram ultrapassados, ficando apenas a saudade que uniu um só povo agora dividido em duas nações.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

OS RETORNADOS

Já se passaram uns trinta e tres anos desde que a maioria dos chamados "retornados", tiveram de abandonar as terras do outro lado do Atlantico que julgavam suas e se espalharam pelos cinco continentes. Seria de esperar que ao fim de tantos anos, todos aqueles que vieram na enxurrada de 1975, estivessem completamente integrados nas terras que escolheram ou porventura aquelas donde os seus pais tinham partido há dezenas de anos.
Foi realmente um espanto para mim quando encontrei numa dessas aldeias, um homem agora na casa dos cinquenta anos, completamente inadaptado e mais, embora tenha vivido todos estes anos longe de Angola e das suas gentes, a sua pronuncia é tal e qual a de um angolano, como se tivesse deixado Angola no dia ou na semana anterior. A pronuncia seria o menos, poderia até ser engraçado, não fosse esta pessoa estar completamente dependente do álcool. Continua a trabalhar todos os dias no mesmo trabalho de há trinta e tres anos quando chegou a Portugal, com uma enxada nas mãos, mas é dinheiro ganho e dinheiro gasto na bebida. Tem apenas cinquenta e um anos, mas quem desconhece a data do seu nascimento, fácilmente lhe dá mais de sessenta e cinco anos. Como este, por certo haverá muitos mais por esse mundo fora, vítimas de uns senhores que procuraram fazer política sem estarem minimamente habilitados e o mais curioso de tudo é que em vez de lhes pedirem responsabilidades, são os homens de destaque e de referencia no Portugal que temos.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

OS EMIGRANTES

Chegou a hora da partida
É mais uma despedida
Com a promessa de voltar
É com a face molhada
Que se fazem à estrada
Muitas vezes sem parar.
Passou-se mais um mês
Ainda não foi de vez
Que vieram para ficar
Aguarda-se a mensagem
De como foi a viagem
E se já estão a trabalhar.
E quando dizem adeus
Despedem-se dos seus
Muitas vezes a chorar
Quem sabe se volta a ver
A mãe antes de morrer
Que agora está num lar.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

OS RETORNADOS

Ontem tive a certeza que uma grande maioria dos antigos habitantes de Angola, não enjeita serem chamados de "retornados", como aliás fiz referencia numa intervenção que fiz recentemente.
Tenho um familiar que devido a graves problemas de saúde, "AVC", já por mais de quatro anos se encontra internado num lar para idosos, local onde lhe podem prestar os cuidados de saúde que necessita, cuidados esses que a família infelizmente não tem condições para isso. Recentemente conseguimos arranjar um novo lar com umas condições bastante melhores e uma assistencia mais completa, para onde o mudamos ontem. Como acontece sempre com todos nós quando chegamos a algum sítio desconhecido, também esta pessoa idosa se sentia apreensiva, apreensão essa agravada quando esse alguém como este meu familiar, se encontra totalmente dependente de terceiros.
Quando uma das empregadas soube que este novo utente tinha vivido bastantes anos em Angola e tinha regressado na leva de 75, chegou-se a ela e disse simplesmente: EU TAMBÉM SOU RETORNADA! Uma frase simples, mas tão cheia de significado, que foi o suficiente para acalmar esta pessoa idosa, arrancando-lhe mesmo um sorriso, aqueles sorrisos de cumplicidade que trocamos com as pessoas que já conhecemos há muitos anos.
Sim, mais do que nunca continuo a acreditar que esta palavra "RETORNADOS", identifica um povo, povo esse que não se deve envergonhar de assim ser chamado, mesmo que alguns o achem prejurativo.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

OS RETORNADOS

Li algures que alguns dos chamados "retornados" não gostam mesmo nada desta denominação, pois acham que ela é demais prejurativa para que a aceitem. É uma verdade que foi debaixo desta sigla que todos nós fomos descriminados e porventura sofremos quando sem culpa nenhuma fomos arrancados daquela terra que nos viu nascer e despejados numa outra que a maioria nem ser conhecia. Creio no entanto que a palavra "retornados", que alguns como disse se recusam a a aceitar, serve ao fim destes anos todos e falamos em mais de tres décadas, para identificar um povo que agora se encontra espalhado pelos cinco continentes e continua a querer recordar as suas origens.
É deste modo que eu entendo e aceito ser chamado de retornado, embora na verdade este termo não se aplique a mim de direito, como aliás acontece com uma grande maioria, pois não retornamos a nada, porque simplesmente nascemos lá, logo o termo correcto seria apropriadamente "refugiados". Quem faz os possíveis para se juntar nos encontros anuais que a maioria dos antigos habitantes das cidades de Angola continua a fazer, fácilmente se dá conta que é por este termo "retornados" que continuamos a ser recebidos por esses amigos, muitos deles que já não viamos há dezenas de anos. Logo, eu aceito e sou um "retornado".

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

OS RETORNADOS/SAUDADE

Quando nos encontros anuais dos retornados se fala de Angola, nota-se aquele sentimento de saudade de uma terra que marcou todos aqueles que viveram e gastaram as suas vidas em prol de algo que realmente julgavam seu. De todos aqueles que continuam a juntar-se, também se nota a saudade de muitos africanos que ficaram para trás e hoje existe a interrogação se ainda são vivos, ou se a guerra ou a fome que assolou o país, também os vitimou. No meu caso, tinha grandes amigos e antigos colegas de raça negra de quem nunca mais soube notícias.
Será que havia racismo em Angola? Estou em crer que não!
O que era preciso mudar? As grandes desigualdades então existentes e também o dar-se oportunidades iguais para que mais africanos pudessem ter acesso ao ensino superior e assim contribuissem para o desenvolvimento daquela terra que julgavamos ser de todos, sem olhar à cor da pele. Interrogo-me também hoje: onde estão esses colegas e amigos negros e mestiços que preferiram ficar, ou não conseguiram sair como nós? As lembranças continuam, por isso onde quer que estejam, só desejo e, penso que este sentimento é partilhado pela maioria, que sejam felizes e que o seu sofrimento pelos anos de guerra e privações, seja compensado com tudo de
bom.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

EMIGRANTES

Muitos fazem a viagem
Sem uma única paragem
Com a pressa de chegar
Mais um ano foi passado
Longe do seu povoado
Agora é tempo de voltar.
São muitas as saudades
Daqueles simples lugares
Que tiveram de deixar
Embora seja pequenina
É esta que os fascina
E não deixaram de amar.
Com sorrisos radiantes
Chegam esses emigrantes
Ao seu pequeno lugar
Mas ainda não é de vez
Trazem apenas um mês
Para saudades matar.
Em breve chega a partida
É mais uma despedida
Com o coração a sangrar.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

EMIGRANTES

Confesso que antes de eu próprio me tornar emigrante, tinha alguma dificuldade em entender aqueles que quando vinham de férias a Portugal, continuavam a falar uns com os outros a língua do país onde por largos anos fixaram a sua residência. Na altura achava que essas pessoas, simplesmente se estavam a armar, especialmente quando falavam com os seus filhos pequenos.
Como disse no início, foi preciso passar pela mesma situação não só para os entender, mas até por lhes dar um pouco de razão. Quando se vai para um país estrangeiro com filhos de tenra idade, ou quando estes nascem por lá, toda a sua formação escolar e social desenvolve-se em torno da língua desse país, de forma que quando se pensa, pensa-se nesse idioma e assim como é difícil a um português pensar numa lingua estrangeira, essas pessoas têm a mesma dificuldade. Acreditem que por muito que os pais procurem usar a língua de Camões em casa, a influência exterior é bem mais poderosa e é esta que vai aos poucos formar esses nossos conterraneos.
Assim, quando ouvir um emigrante a comunicar-se noutro idioma, não julgue de imediato que tal pessoa esta a armar-se aos "cucos". Claro que há casos e casos, mas no geral, acredito que seja assim.

terça-feira, 29 de julho de 2008

OS RETORNADOS - EMIGRANTES

Muitos daqueles chamados retornados, acabaram com o tempo por se tornar emigrantes, um pouco por todo o mundo. Também eu, numa fase da minha vida, pude realmente compreender e dar valor a esses homens e mulheres que na maioria longe das sua famílias, procuram nesses países que os acolheram, encontrar o que lhes foi negado em Portugal: uma vida melhor!
Só quem se tornou emigrante num país estranho, com uma lingua estranha, está em condições de ajuizar as dificuldades sentidas, quando se procura singrar numa terra estranha, rodeado de pessoas estranhas, que embora falem, não conseguimos perceber, ou percebemos bem pouco. Julgo que tambem é necessário passar a vida no estrangeiro, para se sentir essa saudade de Portugal e de tudo o que a ele está ligado. Creio que vivemos mais o que é ser português e, embora nós os retornados até tivessemos razões de sobra para nos envergonhar dessa nacionalidade, quando estamos no estrangeiro e falo de modo geral, sentimos esse apego a esta pequena terra à beira mar plantado.
Quer queiramos quer não, esta é a nossa pátria, a nossa raiz e a nossa identidade, embora por vezes nos envergonhemos dos homens que nos governam.

domingo, 27 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Desse longínquo passado
Abruptamente cortado
Resta apenas a saudade
Dezenas de anos passados
Todos os dias lembrados
Duma triste realidade.
Foi toda uma vida
Por ninguém esquecida
Foi a nossa mocidade
Quero apenas voltar
De novo poder olhar
A minha bonita cidade.
Foi todo um passado
Que de nós foi roubado
Com muita crueldade
O homem assim quis
Nasceu outro País
Ansiando a liberdade.

sábado, 26 de julho de 2008

OS RETORNADOS (continuação)

Quando se precisa não se é esquisito!
O mesmo aconteceu ao nosso jovem conterrâneo. Como não conseguia arranjar emprego na sua área, tornou-se vendedor e por ali andou até ao dia em que alguém lhe deu uma oportunidade para fazer as férias de um funcionário. Tinham-se passado já alguns anos desde que deixara a sua profissão, mas agarrou aquela oportunidade com "unhas e dentes" como se costuma dizer. À noite, enquanto outros dormiam, ele agarrava-se aos livros, tentando por-se em dia com as novas técnicas e leis de trabalho, pois se por qualquer motivo tentava esclarecer uma dúvida junto dos colegas, a resposta não se fazia esperar: se veio para o lugar de..., então tem obrigação de saber isso.
Após o mês, foi convidado para fazer parte dos quadros da empresa e passados poucos anos já tinha chegado ao topo e era agora responsável pelos serviços financeiros de mais quatro empresas do grupo além da Administração da primeira, que partilhava com mais duas pessoas.
As invejas eram muitas, mas aos poucos conseguiu impor-se a grangear a estima e o respeito dos seus colegas à excepção de um chefe de secção, que acabou por pedir a demissão.
Mais um exemplo de luta e tenacidade, própria daqueles que além de despojados e abandonados, conseguiram também ultrapassar o desdém daqueles que nos receberam.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

OS RETORNADOS (continuação)

Porque não se vive do ar, o primeiro trabalho que este jovem na casa dos vinte anos conseguiu, foi pegar numa "pedoa" e juntar-se aos homens da terra, todos já de meia idade e subir ao alto das serras para desbastar pinheiros, isto é cortar alguns à volta para que outros pudessem crescer e engrossar. Era inverno, o frio era tão intenso, que muitas vezes já nem sabia se tinha mãos, quanto mais força para continuar a brandir a "pedoa" para cortar as pequenas árvores.
Como tudo na vida, as pessoas acabam por se adaptar embora revoltados, mas foi essa mesma revolta que o ajudou a dar a volta por cima e com a coragem própria de quem já andou por outras paragens, não demorou muito a enveredar por outro caminho. Embora nunca tivesse pegado num fio eléctrico, viu uma oportunidade de ganhar dinheiro quando começaram a electrificar a pequena aldeia onde veio parar. Arranjou uns livros e ali estava ele a fazer instalações de raiz nas casas da aldeia. (até hoje ainda não ardeu nenhuma). Mas os horizontes eram demasiado pequenos para ele naquelas paragens, quando tinha meia dúzia de tostões, sem medo rumou a Lisboa. Ainda continuava com o rótulo de retornado, não podia esconder o seu local de nascimento, Angola, quando tentava arranjar emprego na mesma área em que trabalhara no outro lado do mar.
continua....

quinta-feira, 24 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Seria ele um retornado? Dificilmene!
Como muitos outros, especialmente a classe mais jovem, também ele tinha nascido em Angola e por lá ficaria, não fosse a pressa de alguns homens, desconhecedores em absoluto da realidade angolana e despojados por completo daquilo que hoje entendemos como sentido de estado.
Encontrava-se entre as centenas de milhar que foram arrancados à pressa das terras que o viram crescer e de uma hora para a outra largados no outro lado do mar, no mesmo país, mas completamente diferente da terra que amavam e consideravam sua. Não precisou de muito tempo para se apercebe que ninguém os desejava e como nada conhecia, deixou-se conduzir pelos seus pais para uma pequena aldeia, a mesma que eles tinham abandonada há mais de trinta anos. Água só mesmo a do pequeno rio que passava a poucas dezenas de metros, electricidade não havia, continuava-se a usar os velhos candeeiros a petróleo e as velas. Pior que isso, casas de banho era algo completamente desconhecido, havia o rio para tomar banho e um giestal onde os habitantes faziam os possíveis para não se encontrar, sempre que precisavam fazer as sua necessidades fisiológicas. Também frio, sim demasiado frio para quem viveu toda uma vida em terras de África.
Sem conhecimentos, sem recursos, o que fazer numa aldeia que embora pequena, mostrava também a sua antipatia para com estes invasores?
continua....

terça-feira, 22 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantos anos já passados
Desde que os retornados
Aqui vieram parar
Mil vidas despedaçadas
Ainda hoje choradas
Lembranças a recordar
É assim anualmente
Quando toda a gente
Procura se ajuntar
É o matar de saudades
É o falar de verdades
Que ninguém pode abafar
É o juntar de amigos
O recordar de perigos
Dos tempos de além-mar
Aqui reina a alegria
Até ao final do dia
Na hora de regressar
Mais um ano afastados
É com os olhos molhados
Que prometemos voltar.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Foi realmente um dia muito bem passado!
Embora já venham sendo realizados desde o início, para mim foi a segunda vez que pude comparecer aos encontros dos naturais e amigos da Cela que têm sido realizados todos os anos. O ano passado devido à chuva, muitos foram aqueles que fizeram abortar os seus planos para estar presentes, enquanto outros nem sequer chegaram a sair dos seus carros, pois a chuva era realmente bastante, de modo que poucos ficaram até ao final. Este ano pude então rever amigos de longa data e embora os anos tenham passado por todos, nota-se ainda o sentimento de verdadeira amizade, assim como se puderam relembrar eventos passados da nossa juventude. O termo RETORNADO está hoje um pouco esquecido, mas entre nós, ao invés do sentimento perjurativo que tal palavra encerrava quando se referiam a nós, hoje encaramos isso com orgulho e é nestes encontros que sentimos a diferença quando estamos com esses velhos amigos e com todos os outros com quem tivemos de aprender a viver durante todos estes anos.
Assim, bem hajam a todos aqueles que ano após ano, têm feito esforços para que estes encontros continuem a realizar-se e quem sabe muitos daqueles que como eu viveram longe destes eventos, possam ainda no futuro fazer um esforço para estar presentes e sentirem também este espírito que eu novamente reencontrei.
Um forte abraço para todos.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Em muitas terras distantes
Tornaram-se imigrantes
Para assim ganhar o pão
Depois de tantos perigos
Procuram saber de amigos
Que guardam no coração.
Alguns nunca mais se viram
Infelizmente já partiram
Resta só a recordação.
Alguns para recordar
Não deixam de se juntar
Numa grande animação.
No encontro de Mogofores
Procuram afogar as dores
Da triste descolonização.
São pedaços de uma vida
Saudosa muito querida
Tantas canseiras em vão.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Mais um dos muitos homens de coragem que apenas com vinte e quatro anos deixou a vida de miséria na sua pequena aldeia e, juntamente com a sua mulher rumou ao desconhecido, atravessando o Atlântico numa longa viagem de quase vinte dias. Quedou-se por fim no aldeamento dez, conhecido como Vila Viçosa. Como os outros, também ele soube o que era derramar literalmente o suor naquela terra que embora rica, teimava em não se dobrar aos esforços para o cultivo. Habituados às dificuldades, pouco estranharam em continuar a viver somente daquilo que a terra dava, muitas vezes valendo-se dos vizinhos para assim suprir as necessidades do dia a dia. Foi nestas circunstancias que lhes nasceram tres filhos, filhos de Angola, a terra que também eles há muito tinham adoptado como sua.
Nem mesmo na altura da ameaça da guerra em 1961, ousaram sequer pensar em abandonar a sua casa, os seus bens, pois para todos os efeitos, esta era a sua terra e por ela estavam dispostos a lutar. Da miséria no início, foram aos poucos singrando e à custa de muito trabalho tinham agora uma vida sem sobressaltos, pois além das dezenas de gado bovino que pastavam nas suas terras, ele, homem conhecedor do ramo, dedicava-se agora à compra e venda de animais.
Foi nesta situação que o no de 1975 os apanhou. Agora, contrariamente aos anos de 61, sentiram-se completamente abandonados, completamente desprotegidos por um governo que de repente lhes mostrou por a forma como se comportou, que afinal aquela terra que sempre consideraram sua, afinal não o era e, sem saberem bem o que lhes estava a acontecer, viram-se metidos num avião e largados ao abandono no aeroporto da Portela.
Com milhares de contos no bolso até então dinheiro válido, apenas lhes permitiram cambiar uns trocados,para assim rumaram à sua terra natal, a mesma pequena aldeia donde tinham partido há quase trinta anos.
Voltou de novo a agarrar o cabo da enxada e foi com ela que continuou a suprir as necessidades básicas da família. Revoltado, mas não derrotado, mostrando assim como eram feitos os homens de têmpera de antigamente. Hoje, já com mais de oitenta anos, embora reformado, ainda continua agarrada à sua enxada semeando as suas batatas, recordando com extrema saudade as terras de além-mar que diz, jamais voltará a ver.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantas malas espalhadas
Bem à pressa arrumadas
Muitas delas já sem dono.
Bicuatas por todo o lado
Tesouros de um passado
Por ali ao abandono.
Rostos de extrema tristeza
Na mais completa pobreza
Como as folhas do outono
Havia pretos e brancos
Espalhados pelos cantos
Onde estava o colono?
Aquele que explorara
Angola há muito deixara
Aqui tinha o seu trono.

terça-feira, 15 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Também este homem foi daqueles que viu nascer o colonato da Cela, aliás dos que participou na construção das casas de alguns aldeamentos, por isso um dos pioneiros e um dos muitos que trocaram a sua terra algures numa aldeia perdida, das muitas que havia por esse Portugal fora, onde a vida era dura e quase sempre ingrata. Com apenas trinta anos, aventurou-se para essas terras longínquas, deixando para trás a mulher com quem casara há pouco e que só quase um ano depois, se juntou a ele na terra que adoptaram como sua.
Por ali viveram, tiveram uma filha e fizeram amigos naquela pequena cidade que viram nascer e crescer, até ao dia em que viram toda a gente a abandonar as suas casas e como elas, também eles deixaram para trás toda uma vida e procuraram refúgio na cidade de Nova Lisboa, sempre com a esperança de voltarem, logo que os tumultos se acalmassem. Como todos os outros, viram-se de repente metidos num avião que os traria de volta a um país que não os desejava.
Também como a maioria, viu-se despejado do avião e apenas com uns poucos tostões no bolso, procurou arrumo junto dos familiares mais directos, que na maioria dos casos não fecharam as portas aos seus, embora as críticas chovessem em quase todas as conversas.
Para poder sustentar a família, não teve vergonha de se agarrar a uma enxada, trabalhar nas obras, na colheita da azeitona, enfim, todo o tipo de trabalho que aparecesse que embora mal pago, sempre dava para matar a fome. Ainda tentou a imigração para França, mas devido à sua idade, não lhe foi permitido ficar. Como era funcionário público, passados uns três anos lá o chamaram para voltar de novo a trabalhar, isto quase a setenta quilómetros de sua casa. Um casal de imigrantes seus familiares, sabendo das sua dificuldades, deixaram-no dormir na sua casa, mas passados dias vieram de férias e então este homem, porque não queria importunar ninguém, sujeitava-se a dormir numa carrinha Renault 4L, a viatura do estado com que trabalhava. Não sou médico, tampouco sou adivinho ou entendido no comportamento das pessoas, mas as mazelas infligidas ao nosso coração, no meu entender, são bem piores do que aquelas que são dirigidas ao nosso corpo. Vai-se vivendo, ou por outra, vai-se arrastando os pés, já sem nenhum objectivo e isso foi o que se passou com mais este pioneiro. Deixou-nos há mais de duas décadas e, tal como viveu, um anónimo, assim faleceu!

segunda-feira, 14 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Tantos anos são passados,
Mas mil outros recordados
Tristes e sós abandonados
Assim são os retornados.

Companheiros separados
E pelo mundo espalhados
Mesmo assim estão ligados
Assim são os retornados

Vidas feitas em bocados
Por uns poucos safados
Esquecidos e desprezados
Assim são os retornados.

Corações despedaçados
Injustamente julgados
Outras tantas criticados
assim são os retornados.

domingo, 13 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Exemplo de tenacidade e coragem!
O homem de quem vou falar-vos já nos deixou há quase duas décadas, mas não é por isso que deve ser esquecido, bem pelo contrário, são homens como este que nos mostram o que é enfrentar a adversidade sempre com um sorriso nos lábios, mesmo quando a saúde já era de tal forma precária, que cada dia que passava, era encarado como uma vitória.
Foi na sua juventude que deixou a grande Lisboa onde vivia desde rapaz, onde casou, e fez a longa viagem de navio até terras angolanas. Começou pelo planalto, depois mais para sul e por fim a cidade Gabela, onde o ano de 1975 o apanhou. Como muitos também ele acreditava que aquela terra que adoptara era mesmo sua, assim além de ter já um meio de vida que explorava com alguns empregados africanos, já nos últimos anos quando muitos vendiam propriedades em angola, este homem vendeu o que tinha em Portugal, para investir numa roça de café. Claro que como todos os demais, também ele junto com a família teve de abandonar tudo aquilo que construíra com o suor do seu rosto.
Carregou à pressa algumas coisas na sua carrinha e como todos os habitantes daquela cidade, empreendeu a viagem na grande coluna que rumava até à Quibala, onde alguns seguiriam o caminho de Luanda e a maioria com destino a Nova Lisboa. Mais uma vez a má sorte lhe bateu à porta, eram decorridos apenas alguns quilómetros e viu a sua carrinha com tudo aquilo que pensara resgatar consumidas pelas chamas! Apenas com a roupa do corpo, ele e a família, duas raparigas e dois rapazes, chegou a Nova Lisboa onde duas pessoas lhe deram algum dinheiro para as suas necessidades básicas. Mas continuou sempre com o mesmo sorriso nos lábios.
Depois de uma curta estada em Portugal, rumou a um país estrangeiro onde como homem de luta que era, educou tres filhos e adquiriu casa. Quando parecia que a estabilidade fora alcançada, a doença apertou o seu cerco. Primeiro foi uma perna que teve de ser cortada, mas ele com uma prótese, parecia que nada havia acontecido. Depois foi a outra perna! Mais uma vez não se deu por vencido e com duas próteses aprendeu a caminhar sozinho. Mas a doença não lhe deu tréguas e já muito debilitado retornou a Portugal, onde queria passar os seus últimos dias, que seriam efectivamente poucos. Era uma questão de horas segundo os médicos, mas novamente recusou-se a ceder até ver dois netos que tinham nascido por aqueles dias e, quando foi possível que os pais das crianças fizessem a viagem de umas centenas de quilómetros debaixo de um sol abrasador, ele olhou para as crianças, sorriu e morreu naquela mesma noite.
Deste homem guardo gratas recordações e não seria justo comigo mesmo, não narrar a coragem e a luta de alguém que mesmo face à morte, se recusou a deixar-se levar, sem que antes realizasse o seu último desejo.

sábado, 12 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Apenas com onze anos deixou a sua aldeia, contrariamente ao que seria de esperar, não foi quando completou a quarta classe, porque nunca tinha posto os pés na escola, mas deixou os rebanhos de ovelhas que guardava nas encostas da serra, e na companhia do seu irmão mais velho e cunhada, fez-se ao mar para um país distante que nunca ouvira falar e foi poisar ao aldeamento um - Vimieiro, o primeiro a ser construído no colonato da Cela.
Por ali andou e quando toda a sua família retornou a Portugal, recusou-se a regressar a uma terra que nunca lhe dera nada e da qual não guardava boas recordações. A vida não foi fácil para um rapaz que não sabia ler, mas com esforço e coragem conseguiu dar a volta por cima, aprender a ler e escrever e tornar-se encarregado numa das maiores empresas de construções de estradas que operavam em Angola.
Quando a "famosa" descolonização o apanhou, encontrava-se com dois filhos de tenra idade e foi com estes que desembarcou num dia de Setembro no aeroporto da Portela. Passou todas as vicissitudes dos demais, acrescidas no entanto por se encontrar sozinho numa terra estranha com duas crianças pequenas. Conseguiu por fim que a Santa Casa da Misericórdia lhe arranjasse uma ama para tomar conta das crianças, isto durante os dias de semana, por isso ao domingo, era vê-lo pelas ruas de Lisboa, com os filhos pelo braço, escondendo-se nas estações do metro quando o frio apertava ou então nos bancos do jardim, onde passavam a maior parte dos fins de semana.
Como tudo na vida, os anos passaram e com eles algumas alegrias mas quase sempre dissabores. Os filhos lá continuaram à guarda da ama, o rapaz acabou por meter-se na droga e tornou-se um dos muitos sem abrigo da cidade de Lisboa. Por muito que o pai fizesse, nunca conseguiu retirá-lo daquele maldito caminho que acabaria por levá-lo à morte. A rapariga casou, é hoje mãe de dois filhos e ele, o pai, apesar das suas poucas habilitações, facilmente se tornou num homem de confiança numa empresa do ramo na construção de estradas, embora nesta altura reformado, ainda continua a trabalhar, talvez único passatempo para mitigar a sua dor. São homens assim, que fizeram com que os retornados, recebidos com pouca simpatia, mostrassem ao mundo a capacidade, a coragem, a força interior para vencer adversidades e continuar em frente.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Como um vagabundo
Errante no mundo
Por causa da guerra.
Era o retornado
Que tinha voltado
Para a sua terra.
A enxada na mão
Procurava o pão
No alto da serra.
As costas vergadas
E as faces suadas
A ira descerra.
Assim vai andando
A mágoa apagando
Do tempo da guerra.

OS RETORNADOS

Também se morre de desgosto!
Foi dos primeiros colonos a chegar ao colonato da Cela, numa altura em que era proibido contratar pessoal local (negros) para ajudar no cultivo da terra. A vida era dura, quando o tempo não ajudava e havia poucas colheitas, tinha de se remediar com o pouco que tinha, mas quando havia abundancia nas safras, a situação não melhorava muito, pois todo o cereal era canalizado para um grémio que pagava o que bem lhe apetecia. Por muito que se trabalhasse o resultado era sempre o mesmo, daí o desencanto e o retorno à terra natal num navio que demorou dezassete dias a fazer a travessia até Lisboa.
Mas quem pisa solo africano, dificilmente se sente bem noutro lugar e foi o que aconteceu com este homem e a sua mulher, já entradotes na idade, mas ainda assim aventureiros, como é próprio dos homens de tempera de antigamente. Fez-se de novo ao mar, rumo à fazenda dum filho e dali para junto de outro, para os lados do Amboim, onde o café dava emprego a milhares de pessoas. Por ali ficou até ao ano de 1975.
Como todos os demais, também ele teve de abandonar à pressa a terra que amava e retornar de novo à sua pequena aldeia, algures para o lado da Guarda. Nunca mais foi o mesmo, sempre triste, desviava-se das pessoas com o olhar fixo algures, quem sabe nas terras do fim do mundo. Nada possuía e quando olhava para a sua antiga casa, um sorriso de dor trespassava-lhe o rosto, mas não emitia qualquer som. Assim viveu algum tempo, triste, sempre triste, até que a morte, o remédio de todos os males, resolveu um dia bater-lhe à porta e sem um queixume, deixou-se levar, era o fim de tudo, de todo o desespero, de toda a angustia, de toda uma dor que só mesmo a morte poderia sarar.

OS RETORNADOS

Pois, também eu sou dos chamados retornados, embora na verdade não sinto que este termo se aplica a mim, isto porque nasci em Angola e tirando uns cinco anos que passei em Portugal na minha infância, todo o resto foi passado naquela terra que julgava minha. Foi lá que cresci, foi lá que estudei, foi lá que desenvolvi laços fraternos com rapazes e raparigas da minha idade e que hoje não sei onde param. Foi toda uma sociedade desmantelada e espalhada pelos quatro cantos do mundo, a maioria ainda hoje sentindo-se estrangeira numa terra onde poisaram, depois de muitas angustias e tribulações.
É sobre este tema que vou escrever neste local, relatando vidas destroçadas e o recomeço do nada, nalguns casos quando as forças já não eram muitas.