terça-feira, 15 de julho de 2008

OS RETORNADOS

Também este homem foi daqueles que viu nascer o colonato da Cela, aliás dos que participou na construção das casas de alguns aldeamentos, por isso um dos pioneiros e um dos muitos que trocaram a sua terra algures numa aldeia perdida, das muitas que havia por esse Portugal fora, onde a vida era dura e quase sempre ingrata. Com apenas trinta anos, aventurou-se para essas terras longínquas, deixando para trás a mulher com quem casara há pouco e que só quase um ano depois, se juntou a ele na terra que adoptaram como sua.
Por ali viveram, tiveram uma filha e fizeram amigos naquela pequena cidade que viram nascer e crescer, até ao dia em que viram toda a gente a abandonar as suas casas e como elas, também eles deixaram para trás toda uma vida e procuraram refúgio na cidade de Nova Lisboa, sempre com a esperança de voltarem, logo que os tumultos se acalmassem. Como todos os outros, viram-se de repente metidos num avião que os traria de volta a um país que não os desejava.
Também como a maioria, viu-se despejado do avião e apenas com uns poucos tostões no bolso, procurou arrumo junto dos familiares mais directos, que na maioria dos casos não fecharam as portas aos seus, embora as críticas chovessem em quase todas as conversas.
Para poder sustentar a família, não teve vergonha de se agarrar a uma enxada, trabalhar nas obras, na colheita da azeitona, enfim, todo o tipo de trabalho que aparecesse que embora mal pago, sempre dava para matar a fome. Ainda tentou a imigração para França, mas devido à sua idade, não lhe foi permitido ficar. Como era funcionário público, passados uns três anos lá o chamaram para voltar de novo a trabalhar, isto quase a setenta quilómetros de sua casa. Um casal de imigrantes seus familiares, sabendo das sua dificuldades, deixaram-no dormir na sua casa, mas passados dias vieram de férias e então este homem, porque não queria importunar ninguém, sujeitava-se a dormir numa carrinha Renault 4L, a viatura do estado com que trabalhava. Não sou médico, tampouco sou adivinho ou entendido no comportamento das pessoas, mas as mazelas infligidas ao nosso coração, no meu entender, são bem piores do que aquelas que são dirigidas ao nosso corpo. Vai-se vivendo, ou por outra, vai-se arrastando os pés, já sem nenhum objectivo e isso foi o que se passou com mais este pioneiro. Deixou-nos há mais de duas décadas e, tal como viveu, um anónimo, assim faleceu!

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